domingo, 2 de fevereiro de 2014

CLARÍSSIMA CLARINHA

Li em algum jornal que desde 1916 não fazia calor igual em Porto Alegre. Como nasci muito depois dessa data, afirmo que jamais senti tanto calor desde o meu nascimento. Temperaturas tórridas nos fazem lembrar de praias paradisíacas, mar calmo e azul, coqueiros, bebidas refrescantes, e paixões igualmente tórridas. Na minha adolescência eu frequentava uma das praias do Rio Grande do Sul, e quem as conhece, sabe bem que não existe coqueiros, o mar revolto tem uma bela tonalidade marrom Nescau, o vento nordeste (o famoso Nordestão) nos teletransporta de uma praia a outra em minutos, e naquela época, além de bebidas refrescantes, apenas algumas tórridas paixões aconteciam. Foi neste cenário que conheci a Clarinha. Ou, Maria Clara, para os não tão íntimos. Era uma menina ruiva, descendente de russos, cujo sobrenome composto apenas por consoantes jamais soube pronunciar. Clarinha era literalmente muito clarinha - quase translúcida. Seus longos cabelos cor de fogo, em contraste com sua alva pele, me faziam lembrar um ovo frito. Ou seja, aquela gema alaranjada no meio da clara branquinha. Ah... minha clara Clarinha! Entre tantas meninas bronzeadas, ela chamava atenção pelo porte e por aquele jeitinho de quem havia chegado da Sibéria há pouco. Confesso que adorava passear na beira da praia ao seu lado, mesmo ela sendo um pouco mais alta. Algumas pessoas perguntavam se ela era modelo, e eu afirmava que sim, mesmo sabendo que ela jamais havia pisado numa passarela. Com o tempo fiquei sabendo que aquela brancura toda a incomodava. Ela queria estar bronzeada como as outras meninas, mas eu tinha certeza que o máximo que conseguiria, seria aquele tom róseo típico dos leitões. Um belo dia, como num passe de mágica, vi minha alva Clarinha com um tom amadeirado na pele. Era estranho vê-la assim. Quando fui beijá-la, senti um cheiro horrível e um gosto pior ainda. O maldito responsável era um tal Rayito de Sol, bronzeador argentino tão em moda naquela época. Para completar o quadro da dor olfativo, ela passou a usar um perfume que também era moda chamado Patchouly...! Meu olfato canino não suportou, e ali terminou a nossa tórrida paixão. Continuamos nos vendo por algum tempo, e ela continuava a usar aquela mistura fantástica denominada "espanta Francisco". Cada vez que a via com aquele bronzeado tipo frango de padaria, eu suspirava e lembrava daquela epiderme translúcida com cabelos ruivos, pelos quais me apaixonei perdidamente. Sem mar azul, coqueiros, nem paixão tórrida, fiquei apenas com a bebida refrescante. Isso enquanto durou o gelo no isopor...!

2 comentários:

Paula Barros disse...

Enquanto lia o texto, sorria, e pensava só Francisco para escrever um texto assim, com comparações deste tipo.
Lembro bem do cheiro horrível deste perfume, e da moda do rayito.

Namorada Girassol disse...

É tão bom lê -lo.
Saudades master!