Tenho dois celulares. Hoje à tarde enquanto eu conversava com alguém num deles, peguei o outro e guardei-o no bolso. Em seguida pus-me a procurar o segundo por todo o apartamento, sem encerrar a ligação. Só depois de algum tempo, me dei conta que ele estava na minha mão direita, e junto ao meu ouvido. Ri sózinho. Coisas da idade...
Esse fato me remeteu à uma tarde cinzenta do outono de 1994. Retornava de uma visita à Faculdade de Engenharia em Porto Alegre, e ia pegar meu carro que estava estacionado numa rua próxima. Ao entrar na tal rua, notei que à minha frente caminhava um senhor idoso segurando uma bengala. Num determinado momento, percebi que ele inclinou-se para a direita como se fosse cair. Apoiou-se numa parede, e fui ao encontro dele tentando ajudá-lo. Segurei-o pelo braço e perguntei se estava sentindo-se mal. Ele respondeu: "Acho que estou enxergando anjos...". Notei que ele estava pálido e suando muito. Ofereci-me para acompanhá-lo, e ele aceitou dizendo que morava próximo.
Dei o braço à ele, e caminhamos mais alguns metros chegando à frente de um hotel. Estranhei por ele morar ali, e quando olhou-me convidando-me para entrar, percebi que era Mário Quintana.
Entramos e ao chegarmos na recepção, ele perguntou meu nome. Apresentei-me, e em seguida ele chamou um funcionário e disse: "Nestor, providencia um chá para Francisco, o anjo salvador!" Sorri e brinquei com ele dizendo que poetas têm inspiração por qualquer coisa. E ele simulando falar baixinho sussurou: "Esse aí, é tão incompetente que não vale uma poesia!".
Admirado com a simpatia e bom humor do poeta, levei-o até ao quarto. Ele insistiu para que eu entrasse e aguardasse o chá. Pediu-me que não reparasse na bagunça do quarto de um "rapaz" solteiro!
Como só havia uma cadeira que foi ocupada por ele, sentei-me na cama. Enquanto ele perguntava sobre minha vida, profissão, família, etc., meus olhos e olfato percorriam aquele ambiente de onde tantas poesias e textos foram escritos, e que ainda encantam tanta gente.
Naquele ano, dezesseis anos mais jovem, ouvi do poeta o seguinte: "Aproveite sua juventude, e tenha histórias para contar mais tarde.". Jamais esqueci aquele conselho, e repito-o sempre às pessoas mais jovens que convivo.
Com grande satisfação, ele mostrou-me uma carta escrita por Bruna Lombardi, sua musa, além de várias fotos de Greta
Garbo, outra de suas paixões. Contou-me sobre sua infância na cidade de Alegrete-RS, e seus primeiros anos em Porto Alegre; suas noitadas com amigos, e o primeiro trabalho "com as letras", como ele dizia.
As horas passaram e nem notei. Estava simplesmente encantado e absorvendo toda aquela simpatia e simplicidade. Disse a ele que não me conformava com o fato dele ter sido preterido em favor de José Sarney na vaga da Academia Brasileira de Letras. Com um sorrisinho maroto ele brincou: "Marimbondos, têm uma ferroada muito forte!".
Levantei-me dizendo que já era tarde, e perguntando se ele estava bem. Ele disse que sim, apenas a memória o traía vez ou outra, pois desde que chegara comigo no hotel, estava procurando a caneta e não sabia onde a deixara. Olhei para ele e perguntei se era a mesma caneta que ele segurava na mão esquerda. Ele arregalou os olhinhos, e soltou uma sonora gargalhada.
Mal sabia ele que anos depois, seu "anjo salvador" estaria à procura de um celular que estava junto do ouvido!
Um mês depois, soube da morte do poeta enquanto viajava do Rio para Brasília. Lembrei daquele tarde inesquecível e ainda tão recente, e chorei durante o voo.
Cada vez que passo na frente da Casa de Cultura Mario Quintana, entro para ver o quarto dele que está exposto lá, e vejo a caneta em cima da mesa. Quando noto aquelas pessoas que vão lá visitar, não resisto e penso comigo: "Eles passarão... O Mario passarinho!".
Quanto ao chá, não cheguei a tomar, pois o Nestor deve ter esquecido.
Certamente ele não valia uma poesia!
15 comentários:
Estou ex ta sia da aqui!
Que delícia de post!
Que maravilhosa historia.
E o conselho é o mesmo que
guardo comigo .
Leio Quintana com coração aos pulos, porque parece que ele lê meus pensamentos atraves de seus versos.
Minha noite de quinta agora será perfeita.
Passe no meu canto
pra arremantar de vez meu dia
de encantamentos.
Bjins entre sonhos e delírios
...este encontro estava reservado
para o Francisco e o Quintana,
e nada poderia mudar este fato.
felizes somos em poder degustar
em letrinhas o que você digeriu
com palavras vivas!
com certeza você mereceu
viver este momento único.
um beijo, sortudo!
Poxa, fiquei sem palavras agora. Confesso que "me deliciei" com sua história e até senti uma pontadinha de inveja. Vocês estão certíssimos, viver intensamente e ter o que contar é sempre uma adorável emoção.
Beijos
Francisco que bela e memoravel história e encontro na sua vida... que sorte a sua... obrigado por compartilhar comigo.
Veja que todos nos quando mais velhos, acabamos procurando por coisas que estão em baixo de nossos narizes...
Quando somos mais jovens, procuramos "coisas" que achamos estar longe e também estão em baixo de nossos narizes, mas somente o tempo mostra que estiveram todo tempo perto de nós.
Abçs
Caramba, fiquei emocionada só em ler esse seu relato......que honra vc ter podido compartilhar de uma tarde dessas..... queria eu rss
Beijos amigo.
Maravilha, estes momenotos sempr ficarão no coração, obrigada por compartilhar, paz.
Beijo Lisette
Nossaaaaaaaaaaaa meu amigo !!
Que coisa mais gostosa, você ter este momento com o poeta..
"Tinha que Ser".. esta é a grnade verdade...
Passando para desejar um exelente final de semana
Abraço
Estou perplexa...
Me sentindo lisonjeada por estar comentando no blog de alguém que esteve com Mário Quintana!!! Rapaz que privilégio einh???
Bahhh...se eu tivesse tido essa oportunidade viveria em estado de graça para sempre...Mario era tudo..o POETA MAIOR!!
Parabéns pelo blog!!
Bjos no ♥
Deus do céu!! Essa história é verídica?
Que Máximo!!!
Trocaria metade da minha vida por esse momento! Rs
Dindo, a dindinha tava morrendo de saudades!! Estou em falta com vcs, né?
mas aos pouquinhos estou voltando, mais barriguda, mas cheia de histórias pra contar!
bjkas
o Freud dizia que quando perdemos coisas assim estamos a realizar um 'acto falhado' que manifesta um desejo ou um medo inconsciente e não assumido
teria razão?
Obrigada por seu carinho, beijo Lisette.
kkkkkkkkkkkkkkk
surteii..
AUIHuihIUHuihUI
coisas da idade, coisas da qqr idade, isso acontece com todo mundo, as vezes procuramos uma caneta que predemos no cabelo..
blá blá coisa e tal..
Marimbondos são o fim da picada
Enfim...
eu ouvi uma vez e nunca esqueci...
"todos vocês aí que estão atravancando meu caminho, vocês passarão, eu, passarinho"
Isso ficou em minha memória e eu não consigo apagar, me arrepio toda vez que penso no significado, e ele estava repleto de certeza e verdade, em tudo que ele disse, não só nessa frase, enfim..
Viva quintana!
^^
Mas se ele lembrava o nome de Nestor...
talvez valessse
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