terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

E AÍ, NENÉM, VAI ENCARAR?

Outro dia, sentado à beira-mar, e vendo o movimento das pessoas ao lado, lembrei do Jurandir.
 Jurandir era um cara tímido; ia sempre em janeiro para a praia com a mulher. Suas férias eram sagradas, e por ter a pele mais branca que um vestido de noiva, ficava sentado sob o guarda sol olhando disfarçadamente o desfile de bundas que teimavam em passar à sua frente.
 Jurandir tinha um sonho, e sempre o mesmo sonho. Um sonho de verão. Sonhava e imaginava que uma gostosa, uma megagostosa, deitava-se diante dele, na praia, e ficava só provocando. Num dia, estava de biquini branco. No outro, de biquini preto. Jurandir não admitia variações nas cores do biquini. Sonhava em preto e branco. Era um sonho monocromático  e monotemático. A gata ficava de bumbum para cima sorrindo para ele.
 Havia porém, dois problemas. Jurandir ia à praia sempre com a mulher à tiracolo. E pior, quando a Dona Encrenca entrava na água, as coisas que a provocadora, sem a menor cerimônia dizia para ele, deixavam-no inquieto:
 - E aí, neném, vai encarar?
 Não era o fato de não poder encarar que o incomodava, nem a covardia da gostosa, desafiando-o  naquela situação de fragilidade, o que o enfurecia era o neném. Por que cargas d´agua ela o chamava de neném? Aquilo destoava da beleza dela.
 Jurandir pensou em procurar um terapeuta. Afinal, sentia-se vítima de uma alucinação, de uma fantasia tipicamente masculina que terminava mal. Queria livrar-se, não da megagostosa, mas da sua mania de dizer "e aí, neném, vai encarar?". Um especialista disse-lhe que era tudo ou nada. Se queria desembaraçar-se do neném, perderia a gata. Outro, mais pragmático, discípulo de uma conhecida senadora, recomendou-lhe simplesmente relaxar e gozar.
 Um dia, o sonho do Jurandir se realizou. Uma megagostosa deitou-se na frente dele, de biquini preto e ficou rindo para ele enquanto sua esposa dava um mergulho. O pobre suava pensando no momento infalível:
 - E aí, neném, vai encarar?
 Torcia para que a mulher voltasse e o salvasse da humilhação. De repente, os lábios da moça se mexeram:
 - Está gostando da paisagem?
 Jurandir ficou mais vermelho que a bandeira do meu Internacional. De que ela estaria falando? Seria uma metáfora? Ou uma provocação?
 - Paisagem? Que paisagem?
 - Os morros à sua frente!
 - Morros?
 Estaria ela falando dos morros no lado oposto ao mar, ou do seu certamente siliconado bumbum. Jurandir esfregou os olhos. Aquilo não poderia estar acontecendo. Gaguejou, como sempre. As boas respostas sempre lhe chegavam com uma semana de atraso.
 - São lindos! - balbuciou.
 -  Os morros, ou... - sussurrou ela.
 Era tudo ou nada. Nesse momento uma mão conhecida e molhada pousou no seu ombro, e ele ouviu apavorado:
 - E aí, neném, vai encarar o mar comigo?
 Sei lá porque, mas assim como o Jurandir, também tenho pânico ao ouvir alguém me chamar de neném, principalmente se for um convite masculino para beber cerveja...! Mas isso é outra história. Qualquer dia eu conto.